A arquitectura popular em Portugal

Fi'aacisco da Silva Mas

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Vârios factores se conjugam em Portufal de forma a permitir ainda hoje a existência de urna arquitectura genuinamente popular: a posiçào geografica do pais, isolado da Europa pelos Pirineus e pela Espanha; tradiçôes enraizadas nas formas de viver dos sucessivos povos que ocuparam a peninsula Ibèrica desde os de origem germanica aos arabes e, finalmente, um desenvolvimento econòmico lento, longe ainda da fase de industrializaçào. Corno é natural, estes factores vào desaparecendo perante as facilidades de comunicaçôes, a alteraçào ainda que lenta das estruturas económicas e a substituiçào dos processos tradicionais de construçâo por novos métodos mais râpidos. Mesmo assim, é possivel encontrarem-se vastas regiôes onde as caracteristicas das construçôes se mantêrn, ou pouco diferem das do meio sécula atrâs.

Um inquérito feito ha cerca de 10 anos pela associaçào dos arquitectos portugueses e que cobriu de forma sistemàtica a totalidade do territòrio continental, permitiu revelar todas as manifestaçôes dessa arquitectura cuja riqueza resulta em grande parte da diversidade de ambientes geogrâficos em que o pais se divide.

Devido à sua posiçào e forma do territòrio — um rectangulo alongado no sentido norte-sul — Portugal encontra-se simultaneamente sob duas grandes influencias geradoras de clima: a do Mediterraneo, quente e seco, que abrange a parte meridional do pais e a do Atlantico, hümido e fresco, a norte. Estes factores condicionam imediatamente as culturas, tipo de povoamento, estruturas urbanas, formas de construir e expressôes arquitectónicas:

Au sein des deux grandes régions géographiques (te nord atlantique et le sud méditerranéen) surgissent des zones plus restreintes. Microclimats, nature du sol et caractéristiques sociales différentes marquent Varchitecture de petits ensembles, qui comptent parfois deux ou trois habitations seulement. Sur la côte sablonneuse du centre du pays, les demeures des pêcheurs sont en bois, matériau abondant et résistant bien à la mer. Sa légèreté permet de construire les maisons sur pilotis, de manière à les protéger de l’invasion du sable emporté palle vent, qui passe ainsi au-dessous.

Dentro dos grandes ambientes geogrdficos em que o pais se divide (o norte atlantico e o sul mediterranico) surgem condicionamentos restritos résultantes de micro-climas, da natureza do solo ou de caracteristicas sociais, capazes de marcar a arquitectura de pequenas areas que por vezes nào atingem mais de 2 ou 3 povoaçôes: Na costa arenosa do centro do pais as povoaçôes dos Pescadores säo de madeira que é abundante, resiste beni ao ar do mar e, pela leveza que dà à casa, permite eleva-la sobre pilares de modo a fugir à invasào da areia que, empurrada pelo vento, passa sob eia sent a subterrar.

A seccura do sul impöe a monocultura, o latifundio que o afolhamento dilata, um calendàrio agricola em que as tarefas se apresentam espaçadas, urna fraca rentabilidade da terra e o recurso à mào de obra assalariada. Dai resulta a imagem do Portugal meridional: entre grandes propriedades surgem aglomerados populosos e compactos que abrigam os trabalhadores que nào tèm terra.

Ao contràrio, a humidade que vem com os ventos do Atlantico permite urna rotaçào de culturas durante todas as épocas do ano a dà origem à policultura, a urna propriedade de reduzidas dimensòes e a um povoamento disperso — o territòrio està dividido em pequenas parcelas, cada urna das quais com urna habitaçào e as instalaçôes agricolas. É a pròpria familia que cultiva a terra, minuciosamente, aproveitando cada palmo, dia a dia. A organizaçào espacial da casa e o equipamento dos povoados reflectem claramente esse binario terra-proprietârio.

No norte ou no sul raras vezes a casa ou o aglomerado se fixam na planicie. A maior parte das vezes, por questöes de defesa ou para poupar o terreno fértil dos vales, procuram a colina e entào hâ um recurso constante aos muros, às escadas e às rampas. Hâ urna adaptaçào ao acidentado do solo que exclui a linha recta e adopta a superficie suavemente arredondada ou o desmultiplicar dos volumes que se agarram à encosta e quabram, em cambiantes de claro-escuro, a luz crua do Sol meridional ou se esbatem em tons de aguarella, entre a neblina do norte. A imagem das povoaçôes é constantemente renovada. O seu conhecimento exige urna visào cinematografica que permite urna sintese dos simbolos que, passo a passo, a cada inflexäo da rua, surgem ao observador.

O saber habitar das populaçôes revela-se na habitaçào e nos espaços comunitarios.

Creados sem a tutela de um « zonamento » os aglomerados de origem popular säo um organismo vivo que cresce segundo linhas de força, de acordo a lei da sua pròpria existência, ao sabor da intuiçào. A base do seu desenvolvimento é o conjunto ruela-

largo que constitue o enquadramento edificado dessas linhas de força que, corno peças de um estrutura ou os tecidos de um corpo, os mantém coesos e finitos. A « banlieue » é urna noçào ainda ausente.

SÓ mais tarde a especulaçào vira favorecer o crescimento canceroso dos aglomerados.

Os gestos aparentemente individuals dos seus autores, o povo que as constroi e habita, nào constitue urna adiçào cega de edificios mas revelam um vigoroso sentido colectivo que é especialmente eloquente na creaçào dos largos. A força que emana da necessidade de vida comum, de convivência, de afirmaçào social, géra um reconhecimento tacito que faz recuar os edificios e cria no corpo do aglomerado, um espaço vivo de caracteristicas muito especiais cujo funcionamento assume urna importância notâvel nos aglomerados meridionals. As festas, as feiras, as manifestaçôes, por vezes até as touradas, têm ai lugar e säo a afirmaçào da cidade corno espaço social. A arte urbana afirma-se assim corno a mais colectiva das artes. É o espectâculo em que os actores sào simultaneamente os autores, onde a cor dos edificios, o desenho dos pavimentos, a floraçào das ârvores sào pintura em todas as dimensòes, construtora de espaço, liberia de urna funçào estritamente epidèrmica.

Nas povoaçôes do sul os edificios encostam-se uns aos outros, formando um todo.

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Para as populaçôes do exlremo do sul de Portugal as questôes de prestìgio têm um peso importante nas relaçôes sociais e este facto é suficientemente forte para se traduzir, nalgumas povoaçdes, em linguagem arquitectônica: entre os volumes rigorosamente cubicos do conjunto do aglomerado surgem volumes esféricos ou piramidais que correspondent ao volume interior da sala de receber as visitas cuja altura é superior às restantes dependencias.

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Pour les populations du sud du Portugal, les questions de prestige assument un rôle important dans les relations sociales. Ce fait se traduit ici et là en langage architectural: entre les volumes rigoureusement cubiques de l'ensemble surgissent des masses sphériques ou pyramidales. Elles correspondent au volume intérieur de la salle destinée à recevoir les visites. Sa hauteur est supérieure à celle des autres locaux.

No esquema da habitaçào meridional o pateo é a mais viva das dependencias. A improvisaçào imposta pelo dia a dia dos habitantes, conduz a urna perfeita individualizaçâo do espaço. Entre flores, gaiolas e utensilios domesticos, muros e escadas, ao ar livre mas intimamente ligado ao espaço interior da casa todos os habitos da familia se revelam e nitidamente.

Dans le schéma de l'habitation méridionale, le patio est le local le plus vivant. L'improvisation imposée de jour en jour aux habitants conduit à une individualisation parfaite de l'espace. Entre fleurs, cages, ustensiles domestiques, murs et escaliers, dans l'air libre intimement lié à l’espace intérieur de la maison, toutes la habitudes de la famille apparaissent nettement.

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O uso intensivo da cal è urna das caracteristicas mais importantes da arquitèctura popular do sul de Portugal. A sua utilizaçào frequente, dentro de urna tradiçào que as condiçôes climdticas justificam, dà às paredes urna textura doce que a luz razamente faz evidenciar e que contribui para o enriquecimento da paisagem urbana.

L'emploi de la chaux est une constante majeure de l'architecture populaire du sud. Cette matière, qui correspond à une tradition justifiée par les conditions climatiques, donne aux parois une texture douce rarement éblouissante à la lumière. Elle contribue à l'enrichissement du paysage urbain.

A arquitèctura e o urbanismo fazem parte do mesmo processo. A cidade-escultura é uma sucessào expontanêa e multiforme de volumes brancos e amplas superficies onde as aberturas sào reduzidas e aparecem corno incisivos rectangulos negros. A casa apresenta à rua uma fachada que define claramente o dominio do comunitario e do privado, o espaço exterior de violentas claridades ou o interior de delicadas penumbras, e isto corresponde a um sentido de vida do sul: o cotidiano meridional converge para o pateo, para o espaço semi-fechado que constitue uma situaçào intermèdia entre o interior e o exterior, protegido pelas plantas que se estendem sobre ligeiras estruturas, de forma a permitir, a entrada do sol no inverno e a crear no verào um micro-clima fresco e repousante. O pateo surge encravado entre as massas edificadas ou sobre a rua, lirnitado por muros que têm a altura necesâria para o protéger dos que passam e dos vizinhos. Dentro dele desenrolam-se os trabalhos domésticos ou artesanais que sô recolhem a casa quando a chuva os nâo consentem ao ar livre.

Se a arquitèctura do sul, por condiçôes climatéricas e sociais, possue um caracter centripedo, toda voltada para o interior e sobre si pròpria, a do norte pelo contrario apresenta duina forma gérai, um movimento inverso: a construçào abre-se mais para o exterior e os ambientes de transiçào sào conseguidos pelo uso de varandas cobertas que nos edifîcios rurais Servern simultaneamente para uso dos habitantes e para secar os produtos da terra ao sol mas protegidos da chuva.

Mas quer numa quer noutra, cada exemplo da arquitèctura popular, faz resaltar a coerencia com o meio geografico e os factores humanos que lhe deram origem e constitue uma liçào em que a intuiçào e o amor vencem as pobres bases materiais de que o constru tor popular pode dispor.

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A imaginaçâo do construtor popular revela-se pelante todos os programas. Mesmo dentro da mais extrema pobreza de meios — urn simples muro que se desemola ao longo da costa e se adapta constantemente à rocha, prùduto expontaneo de cada situaçào — consegue crear espaços vivos e fazer arquitectura.

L'imagination du constructeur perce toujours, même lorsque les moyens sont faibles — un simple mur qui se déroule le long de la côte en épousant le rocher —• on réussit à créer des espaces vivants et à faire de Varchitecture.

A paisagem dos aglomerados reflecte claramente a estrutura socio-profissional dos seus habitantes, o dima e os factores económicos do sen desenvolvimento: no norte do pais os « espigueiros » onde cada lavrador-proprietàrio guarda os cereais ao abrigo da chuva, defendidos dos roedores, têm no conjunto das povoaçôes urna presença que por vezes ultrapassa o das próprias habitaçôes. O cuidado revelado na construçào dos « espigueiros », a que nâo falta um caracter religioso dado pela cruz, està de acordo com o carinho posto no tratamento dos campos que enquadram as povoaçôes.

La vue d'ensemble des agglomérations reflète clairement la structure sociale et professionnelle des habitants, le climat, le développement économique. Dans le nord, les « espigueiros » servent au travailleur-propriétaire à la conservation des céréales, à l'abri de la pluie et des rôdeurs. Leur présence domine parfois les habitations elles-mêmes. Le soin apporté à leur construction, ainsi que le caractère religieux donné par la croix, s'accorde à l'importance attribuée à la culture des terres qui entourent le village.

A organizaçào espacial da casa, caracterizada por um predominio dos espaços cavados ou subtraidos ao volume geral da construçào conjugada com os materials mais usados pelos construtores populäres do Norte, a pedra e a madeira, conduzem a urna arquitectura estruturada em contraste com a do sul, fechada presa ao solo em que os volumes construidos de barro sào vigorosamente definidos.

L'organisation spatiale de la maison est caractérisée par la prédominance des espaces creusés ou soustraits au volume général.

Conjuguée à l'usage des matériaux préférés dans le nord du pays, soit la pierre et le bois, elle conduit à une architecture structurée, qui contraste avec celle du sud.

Os espaços comunitàrios dos aglomerados tradicionais sào urna sucessào continua de ruelas que se dilatam de quando em quando e procurata constantemente urna adaptaçào às condiçoes topogràficas. Nessas linhas de força que estruturam os aglomerados o pedo é ainda soberano, defendido pelas escandinhas ou pela estreiteza das suas ruas onde os automôveis nâo conseguem passar.

Les espaces communautaires des agglomérations traditionnelles sont une succession continue de ruelles, qui se dilatent parfois en s'adaptant à la topographie des lieux. Le piéton y déambule encore souverain, protégé qu'il est par les rampes et l'étroitesse des rues contre les automobiles, qui ne peuvent pas passer.